Thursday, December 21, 2006

Adeus ao Real

A escolha entre o realismo e o relativismo não é óbvia, nem fácil, mas cada um de nós já fez sua escolha, ainda que não tenha tomado conciência disso. Essa escolha determina a possibilidade de todos os nossos atos, mas é, na maioria das vezes, inconciente. Para alguns filósofos, há indicações de que vivemos em uma fase de transição. Esse momento foi expresso pelo filósofo alemão Martin Heidegger (1890-1976) através da frase "Chegamos tarde demais para os deuses e cedo demais para o Ser" (Da Experiência do Pensar - 1947). Com essa frase enigmática, ele queria dizer que é a hora de dizer "adeus ao real" único, mas hesitamos. Parece que as pessoas perderam a fé nas verdades absolutas (os deuses), mas ainda não estão preparadas para lidarem com o Ser, ou seja, a multiplicidade infinita de interpretação do real. Por não sabermos lidar com a pluralidade de sentidos do real, acabamos considerando que nada é verdadeiro, ou que a única verdade absoluta é o nada. O bombardeio de informações desconectadas a que somos submetidos atualmente pelas mídias de massa nos leva a desconfiar de que a realidade na qual costumávamos acreditar não tem tanta consistência, mas em vez de nos libertarmos da exigência de um terreno fixo, permanente e sólido, logo buscamos alguma outra verdade que sirva de substituto, a "verdadeira realidade" por trás daquela que se mostrou falsa. Viver em um momento de "não mais verdades absolutas" e ainda "não verdades múltiplas" pode ser tanto uma grande aventura como gerar uma forte angústia. Alguns filmes norte-americanos recentes retratam essa ambigüidade, tais como O Show de Truman (1998), Clube da Luta (1999), 13º Andar (1999) ou Matrix (1999). Admitir a possibilidade de existirem outras realidades não é fácil, e talvez não muito cômodo, mas significa aceitar o fato de que ninguém é "dono da verdade", e que portanto, todas as perspectivas da realidade, todos os ideais, merecem serem considerados, e possuem o seu direito de existir.


Cena do filme Matrix, em que as estruturas das paredes de um prédio se revelam como simulação digital.
No filme vemos o hacker Neo (Keanu Reeves) passar pela experiência de descobrir que o mundo em que vive é só uma ilusão criada por uma rede de computadores dotada de inteligência artificial. Por trás do mundo das aparências, Neo descobre um mundo verdadeiro, em que seres humanos são aprisionados em cápsulas e usados como fonte de energia por máquinas hostis. Suas mentes são estimuladas por programas de computador, que as fazem acreditar estarem vivendo em uma outra realidade, enquanto seu corpos estão em um estado de hibernação contínua. "Bem-vindo ao deserto do real", é a saudação do líder da resistência Morpheus (Laurence Fishburne). Em outra cena do filme, um dos cyber-anarquistas, Cypher (Joe Pantoliano), trai seus companheiros e justifica-se com o seguinte argumento: mesmo sabendo que a carne que comia em um restaurante na Matrix era ilusória, ele preferia viver em um mundo falso, mas colorido e prazeiroso, do que ser forçado a perambular por um mundo verdadeiro, mas desértico. O primeiro episódio de Matrix segue, então, o princípio realista de que "as aparências enganam". Do ponto de vista do relativismo, o engano é acreditar que haja alguma coisa por trás das aparências.
O filme Matrix nada mais é do que a reinvenção de uma história antiga, escrita há cerca de 2500 anos atrás. Trata-se da "Alegoria da Caverna", descrita por Platão no capítulo VII do seu livro " A República". Para contornar a resistência daqueles que só acreditam no que podem ver e tocar, Platão propõe uma cena trágica. Imagine que vários homens estão presos desde o nascimento, acorrentados no fundo de uma caverna. Na parede da caverna, diversas figuras se movem, e os homens as tomam como coisas reais, concretas. Eles discutem entre si as melhores teorias para explicar o comportamento das figuras. Um certo dia, um dos prisioneiros consegue se libertar e, ao sair da caverna, descobre que as tais figuras eram apenas as sombras das árvores que ficavam em frente a entrada da caverna. A verdadeira realidade estava do lado de fora. Deslumbrado com o novo mundo que acabara de descobrir, o homem volta à caverna para contar aos seus companheiros que estes vivem em ilusão. Mas eles não acreditam, pois preferem crer naquilo que seus sentidos podem perceber.

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Thursday, December 14, 2006

Vantagens e Desvantagens do Realismo e do Relativismo

Vimos que realismo e relativismo são duas teorias fundamentais sobre a realidade. Cada uma têm suas vantagens e desvantagens, seus argumentos e suas conseqüências. A maior vantagem do realismo é que o universo ganha ordem e tranqüilidade. É possível acreditar que haja um certo e um errado absolutos, que podem servir como referência para as nossas decisões. Estamos errados quando não nos adequamos corretamente ao real, mas o real existe, independente de nossas interpretações, o que gera segurança para nossas dúvidas científicas e existenciais. Em geral, as religiões são realistas, pois pressupoem uma verdade inquestionável como fundamento de sua fé. O problema do realismo é que ele pode se transformar em dogmatismo (do grego dógma = verdade inquestionável), passando a tratar tudo o que se opõe ao que é aceito por verdade, como desvio ou loucura, e que terá que ser corrigido, controlado, excluído, ou, até mesmo, aniquilado.
No relativismo, a vantagem principal é a tolerância com a diversidade de idéias. Os discursos diferentes não são considerados erros ou desvios, mas aceitos como perspectivas da realidade, que é uma característica inerente ao mundo humano. Nenhuma é mais verdadeira do que a outra, somente mais apropriada, conforme o contexto histórico, cultural, geográfico, etc. As artes moderna e contemporânea tendem ao relativismo, pois apostam nas multiplas possibilidades de ampliar e alterar nossas percepções do mundo. Uma das desvantagens do relativismo é que a ausência de um valor único, de uma verdade absoluta, que sirva de critério em situações de impasse. Se existem multiplas perspectivas, e todas com o seu igual direito de existir, cabe a cada indivíduo fazer suas escolhas baseado nas condições da situação, assumindo os riscos de uma solução de validade passageira. Tal atitude exige mais conciência e mais responsabilidade, sendo, portanto, mais trabalhosa. Parece muito mais cômodo ao ser humano acreditar em certezas permanentes, para definir o que é verdadeiro, correto, bom ou belo. Há ainda o medo de que, com a falta de uma medida absoluta e relatividade das verdades, ideologias excludentes entre si, como a democracia e o facismo, passem a ter o mesmo valor. Entretanto, esta seria uma visão ingênua e simplificadora do relativismo, pois o fato de não se acreditar em uma verdade absoluta, não implica em adotar uma atitude niilista (do grego nihil = nada), a negação radical de todas as verdades.

O nazismo era uma espécie realismo dogmático, na medida que colocava a raça ariana como a única verdadeiramente humana, e portanto, superior a todas as outras. A suposta supremacia do homem germânico legitimou a perseguição violenta contra todos que não se adequassem a esse modelo. Os artistas partidários do regime nazista eram incentivados a reproduzir em suas obras corpos nus, como propaganda estética do homem nórdico, um ser que reunia beleza, pureza e força. A obra "Camaradagem" (1937), do escultor Joseph Thorak, um dos prediletos de Hitler, faz apologia da disposição do povo alemão para o sacrifício, até as últimas conseqüências.


A ambigüidade da imagem acima ajuda a entender o relativismo. Repare que a diferença entre as perspectivas não se origina da posição do observador, mas de sua atitude. Dependendo do que é selecionado como figura e fundo, é possível enxergar uma face feminina ou um músico tocando saxofone. É como se cada imagem fosse "construída" pela relação de quem olha com o que é olhado. Uma mesma pessoa pode construir diversas realidades, dependendo do critério de organização do que vê. Assim também é no relativismo; a pluralidade de verdades é condicionada pelas relações estabelecidas entre o homem e o mundo, que podem ser infinitas.

Teorias do real: Realismo e Relativismo

O que é real? Como saber se o que estamos vivenciando é realidade ou não passa simplesmente de sonho? Esta é uma das questões mais fundamentais abordadas pela filosofia. O que garante a veracidade das coisas que vemos? O que é e como é a realidade?
Vários filósofos ao longo dos séculos tentaram responder a essas perguntas. Podemos dividir as diversas teorias do real em duas linhas de pensamento: o Realismo e o Relativismo.
Na visão dos filósofos realistas, a realidade é uma dimensão objetiva, concreta e absoluta, independe de qualquer interpretação ou contexto. A realidade é a mesma para qualquer indivíduo ou qualquer coisa, em qualquer lugar do universo. Na postura realista, as coisas tem autonomia, subsistem em si e por si. Qualquer evento que ocorra em algum ponto qualquer do universo (a explosão de uma estrela em uma galáxia distante, por exemplo) é real, ainda que ninguém possa presenciar seu acontecimento. Portanto, uma idéia de realidade que não seja compatível com o a verdade absoluta, será falsa.
Já para os relativistas, não existe uma realidade única e acabada, um mundo que exista em si. A realidade depende das interpretações e do contexto na qual a analisamos. Só haverá mundo se existirem seres capazes de compreendê-lo. Se uma estrela em uma galáxia distante explodir, e a luz de sua explosão jamais chegasse até nós, é como se essa estrela nunca tivesse existido, e nunca tivesse feito parte do nosso mundo. Para o relativismo, há tantas realidades quanto existem mentes para concebê-las, através da interpretação do mundo. Cada indivíduo teria sua definição do que é real, e essa seria a sua realidade, que poderia ser aceita como verdadeira, uma vez que não existe realidade absoluta.



Do ponto de vista do realismo, uma pintura pode ser considerada imperfeita se não reproduz adequadamente as formas e proporções do seu objeto. O quadro "O Vale Lackawanna" (1855), do pintor norte-americano George Inness, coloca em questão o realismo na arte. Na pintura, feita sob encomenda de uma companhia ferroviária, o pintor resolveu esconder os trilhos da parte inacabada da estrada de ferro, encobrindo-os com a fumaça do trem, por considerar uma desonestidade representar algo que ainda não existia. Mas estaria a mentira nos trilhos de fantasia ou muito mais na tentativa de reduzir a arte à propaganda, vendendo a imagem como se fosse uma reprodução fiel da paisagem?




Esta é a capela Notre-Dame du Haut (1950-55), em Ronchamp, na França, projetado pelo arquiteto francês Le Corbusier. Um turista pode apreciar as formas arrojadas, o estilo incomum, e dizer se o prédio é belo ou feio. Um fiel buscaria na luminosidade da nave inspiração para uma oração. Já um arquiteto poderia prestar mais atenção na realização do projeto, elogiando ou criticando as soluções de divisão do espaço, do tamanho das diminutas janelas, concluído se a obra é boa ou não, se é apropriada para os fins a que se destina. Finalmente, um engenheiro iria descrevê-lo como sendo uma estrutura côncava de concreto, apoiada sobre três colunas de pedra, medindo 22 metros de altura, com paredes brancas e portas e janelas coloridas. Qual é a realidade da capela?